Plane Aviaton

COSTA A COSTA NO VISION JET

PARTE I

Ainda no solo estou um pouco surpreso com o peso dos comandos de voo. Faço uma anotação mental para não sobre controlar o manche durante a decolagem, não só por razões óbvias, mas também porque decolaremos da famosa cabeceira 16 do famoso aeroporto de Van Nuys. Você deve isso a todos os pilotos lendários que já operaram aqui. Caras como Conroy, Lacy, Barnes e outros que hoje estão nos livros de história da aviação. Ninguém quer uma má performance se estiver tocando no “ Carnegie Hall”, não é? Muita história foi feita em Van Nuys e talvez estejamos adicionando um pouco da nossa a ela. Esta é a primeira vez do Vision Jet aqui.

O controlador de voo nos cumprimenta com uma pergunta confusa: “ Vocês são um Cirrus e um jato?” Tudo é novidade.

Devo a oportunidade desse voo ao homem que está sentado na direita do Vision, o nome dele é Boni Caldera, diretor executivo de vendas do Vision Jet. Nos últimos dias, Boni voou com 12 clientes do Vision , juntamente com 33 convidados deles. Esses clientes serão os próximos a receber o Vision Jet.

A Cirrus está promovendo eventos regionais para os clientes que estão na espera do Vision há quase dez anos. Caminhar com estes clientes durante os eventos mostrando para eles não só um mas até três Vision Jets no pátio, como no evento aqui na Califórnia, é gratificante. Mais legal do que isso é só perguntar como foi a experiência de voar o Vision pela primeira vez. Ninguém se mostrou imune ao charme da máquina com cauda em “V”.

“N730FA, LIVRE DECOLAGEM DA PISTA 16 DIREITA”.

Cauteloso com o alinhamento na pista, lentamente avanço a manete de potência. Quando me sinto confortável, completo a potência levando a manete ao batente e pressionando um pouco o comando do leme direcional. O avião segue firme na direção parecendo colado as faixas centrais da pista. Essa é minha primeira decolagem sem o efeito do “Fator P” gerado por uma hélice e eu adoro isso. Conforme a velocidade cresce as superfícies de comando vão se tornando mais leves se moldando ao meu comando e buscando um equilíbrio. Isso é o que chamamos de “os comandos da aeronave ganhando vida”. Deduzo que isso é como se o Vision estivesse apertando minha mão e dizendo “ prazer em conhece-lo, isso vai ser muito divertido”.

Indicação de subida positiva, trem de pouso para cima, ângulo de subida ajustado para manter a velocidade de 140 nós conscientes das montanhas que se mostram a frente. Ajustamos a pressão dos comandos e iniciamos uma curva para a direção norte. Somos vetorados de volta para Van Nuys, mas subindo.

Sendo um piloto de pouca experiência me sinto à vontade voando com o Boni. Sem contar os pilotos de prova que voaram o Vision, Boni é hoje o piloto mais voado no Vision, sua prévia experiência vem de jatos como o Eclipse, diferentes turbo hélices e do SR22. Também sinto que estou bem enferrujado na minha pilotagem.

Mais alguns vetores dados pelo controlador de voo e já estamos sob Palmdale e na direção de Los Angeles.

O terreno abaixo se modifica rapidamente, nos despedimos das montanhas, do concreto e piscinas de Los Angeles e dizemos alô ao deserto de Mojave. Nosso destino é Knoxville no estado do Tennessee com uma escala em Denver no Colorado para embarcar o Just Dillon, jovem diretor regional de vendas da Cirrus Aircraft.

O controlador de voo nos desvia da área restrita que abriga a Base Aérea Edwards que acaba ficando visível no imenso lago seco que a fez famosa. Vem a minha mente que neste momento estou tendo a mesma visão que aviadores como Yeager, Hoover e Crossfield tiveram muitas vezes. Os céus sobre a base aérea testemunharam o voo de muitas aeronaves que fizeram história como por exemplo o Bell X-1 e o Space Shuttle. Muitas destas aeronaves tiveram o seu início secreto aqui e é divertido pensar que estamos dando a Edwards a primeira visão do nosso pequeno pedaço de história. Embora o controle tenha nos solicitado manter baixa altitude por algum tempo, cronometramos 24 minutos do nível do mar até 27.000 pés. Sobra potência para subir mais alto levando em conta que se atinge 28.000 ainda com uma razão de subida de 1000 pés por minuto. Depois de vinte minutos nivelado, vemos o top de nossa velocidade de cruzeiro durante toda a viagem: 315 nós, consumido 70 galões. Boni me diz que em todo voo cuja temperatura seja ISA+10º ou menos que isso, a velocidade de cruzeiro será de 300 nós ou mais. Também dependendo da temperatura externa o consumo ficará entre 65 e 70 galões/h o que ficou provado durante todo nosso voo.

315 Nós (582 KM/H) FOI NOSSO TOP DE VELOCIDADE DURANTE O VOO.

Logo depois de nivelarmos em cruzeiro observo alguns tráfegos que chamam minha atenção. Um deles está bem a nossa frente em sentido oposto, descendo e passando pela nossa altitude. Boni seleciona a opção “relativa” no equipamento ADS-B. Isso nos provê uma informação da tendência do tráfego a frente em relação a nossa rota. Fica claro que o tráfego não nos afeta. O valor dessa informação é imediato e faz o piloto entender num piscar de olhos se o tráfego pode ser um conflito, liberando nossa atenção a outros tráfegos ou a qualquer outra tarefa na cabine. Imagine-se olhando para os vários tráfegos sem a informação de tendência tentando decidir qual deles pode afetá-lo. Isso faz entendermos a importância do ADS-B.

O ADS-B FORNECE A INFORMAÇÃO DE TENDENCIA DOS TRÁFEGOS.

Muito foi feito e falado sobre o teto de serviço de 28.000 pés do Vision Jet. Tem gente que acha que esse teto não é suficientemente alto. Enquanto, provavelmente, será o jato voando mais baixo nos céus isso não significa que esta altitude não tenha suas próprias vantagens. A primeira delas está aqui; a maior parte da viagem que fizemos, vimos muito pouco tráfego mesmo quando procurando eletronicamente 40 milhas ao redor. Em todo nosso voo da Califórnia ao Tennessee não recebemos nenhum alerta sobre tráfego. Voamos mais alto que os aviões a pistão e turbo hélice e mais baixo que todos os demais. Mesmo quando voamos na vertical de Las Vegas não encontramos ninguém em nossa altitude ou próximo.

O VISION JET VOA MAIS ALTO QUE OS AVIÕES À PISTÃO E TURBO HÉLICE E MAIS BAIXO QUE OS DEMAIS.

A segunda vantagem de acordo com o meu raciocino, é a vista. Esse é o segredo mais bem guardado do Nível 280. Como qualquer um que tenha voado num jato de linha aérea, é difícil dizer o que está lá embaixo de uma altitude daquelas. Até mesmo o Grand Canyon visto de 41.000 pés parece muito pequeno e é impossível distinguir o Canyon de uma colina ou de um platô.

O NÍVEL DE DETALHAMENTO VISUAL DO SOLO NO NÍVEL 280 É MUITO BOM.

O NÍVEL DE DETALHAMENTO VISUAL DO SOLO NO NÍVEL 280 É MUITO BOM.

É um bom grau de detalhes que vemos durante nossa rota. A transição dos desertos marrons e escuros da Califórnia e Las Vegas para os penhascos íngremes e profundas fendas de Utah que são banhados por rios. Este é o tipo de experiência que te lembra porque você escolheu ser piloto. Muito bom e prazeroso viver o momento e esquecer as pressões e responsabilidades que nos aguardam após o pouso.

Muito tem se falado sobre a cabine de passageiros do Vision Jet, mas a cabine de pilotagem não pode ser menosprezada. Finos materiais de acabamento estão por toda parte, algo que apreciei bastante ao curso de nossa viagem. Os descansos de braços das poltronas, o couro macio dos assentos, o acabamento abaixo do painel, tudo em materiais que acariciam o corpo e as mãos.

É fácil para os projetistas de interiores terminarem seu trabalho no painel, mas no Vision Jet, felizmente foram além. Incluíram um descanso para os pés onde seu joelho pode dobrar a 90 graus, se desejar. Para mim o conforto foi maior do que deixando as pernas estendidas.

As janelas do Vision Jet são muito grandes e assim sendo, aumentam a agradável sensação de voar e ver para passageiros e pilotos. Entretanto isto traz a desvantagem de permitir a entrada dos raios ultravioletas na cabine. Isto é mais sensível ainda para os pilotos principalmente quando usam camisa de manga curta ou shorts sentindo desigualmente a refrigeração. A Cirrus Aircraft notou isso nos estágios iniciais do projeto e começou a trabalhar numa solução. Decidiram utilizar a chamada “Gold Windows” que bloqueia a entrada de UV na cabine, dando a sensação de uma refrigeração por igual no corpo humano. Essa tecnologia consiste num filamento de ouro residente dentro do material da janela, embora não se veja a coloração dourada.

A vista das montanhas rochosas a frente embeleza o horizonte e me faz pensar no tremendo contraste de momentos atrás quando voando sobre o deserto.

O Controlador de Denver nos informa que nossa chegada será a Larks 8 para a pista 17 do Aeroporto Centennial. Boni me orienta sobre a operação da aeronave durante a aproximação o que soa bastante simples. Selecionamos a carta de aproximação no painel e fazemos o “briefing”. Fica muito fácil quando você pode visualizar a carta no painel multi função e ainda aumentá-la ou diminui-la de tamanho conforme sua necessidade. Tudo é tão intuitivo quanto utilizar um smartphone ou um IPAD, sem necessidade de girar nenhum botão.

SELECIONAR E TRABALHAR COM AS CARTAS É MUITO FÁCIL.

Durante a descida reduzimos a potência para 30%. Considerando que estamos descendo sobre as montanhas rochosas, Boni seleciona no painel a informação de perfil vertical o que nos mostra a representação do terreno a frente assegurando nossa separação com o solo. Nossa restrição de cruzamento também está no painel e podemos visualizar exatamente quando termina a travessia das montanhas. Descemos rapidamente, mas a pressurização nos mantem confortáveis. A pressurização do Vision Jet é totalmente automática e o piloto, além de monitorá-la, tem tempo de apreciar a rapidez na razão de descida. Bom citar que como voamos num jato e não num turbo hélice não existe a necessidade de manter um mínimo de potência no motor para que a pressurização funcione. Diferente também dos turbo hélice, você não tem um alarme de trem de pouso recolhido quando reduz a potência do motor, isso é bom pois o alarme costuma sobressaltar os passageiros.

AS MONTNAHAS ROCHOSAS COBERTAS DE NEVE APARECEM COMO UM TAPETE DE BOAS-VINDAS A DENVER.

Depois de uma vetoração pelo controlador de Denver nos dirigimos para a curva de aproximação final. O controlador nos manteve um pouco alto na aproximação, mas isso não  tornou-se um problema. Isso me deu a oportunidade de entender sobre o que muitos falam: a aproximação final no Vision Jet.

O envelope de funcionamento dos flaps e trem de pouso do Vision Jet é bastante amplo. Para esclarecer isso é bom lembrar que o Vision Jet cruza a 200 nós indicado (300 nós de velocidade verdadeira). Com a capacidade de comandar o trem de pouso para baixo a 210 nós e os flaps a 190 nós indicados, você ganha muita versatilidade gerenciando velocidade e razão de descida.

A INFORMAÇÃO DE SITUAÇÃO VERTICAL É MARAVILHOSO QUANDO DESCENDO ENTRE NUVENS SOBRE TERRENO MONTANHOSO.

Uma vez estabilizados na aproximação final já com o trem de pouso baixado e os flaps posicionados entramos numa situação que alguns chamariam de “ângulo de descida extremo”, mas a velocidade indicada era de apenas 115 nós a 4,5 km da cabeceira da pista. Reduzimos a potência a 25% quando a 150 mts sobre o terreno. Controle de velocidade na final foi total. Comparando aos aviões com motor a pistão as mudanças de potência foram mais suaves e menos abruptas. Ouvir o zunido do motor a jato enquanto o indicador de velocidade mostra 90 nós, embora surreal, reforça a confiança.  É neste ponto da aproximação que você presta mais atenção na velocidade indicada olhando para a referência que é chamada de “donut”. O “donut” lhe dá o conforto de estar dentro da faixa de segurança e ainda te mostra a tendência da velocidade. Boni me dá um objetivo que é fazer a velocidade de referência estar exatamente sobre o “donut” quando cruzarmos a cabeceira da pista. Fui capaz de alcançar o objetivo ajustando o ângulo de aproximação e a potência do motor. Ao cruzar a cabeceira Boni me instrui a tirar toda potência do motor. Ele me orienta a ser paciente enquanto o avião se ajusta e a fazer o arrendamento com movimentos suaves no manche. A visibilidade sobre o nariz do Vision Jet é excelente embora eu tenha trabalhado para perceber minha altura sobre a pista, mas há que se considerar que este seria meu primeiro pouso no Vision. Não foi um pouso duro e em poucos segundos já em contato com o solo começamos a aplicar os freios.

Cortar os motores é um fato simples. Gire o botão apropriado para a posição desligado e pressione o botão “partida/corte”. O sistema elétrico permanece ligado para que o FADEC monitore todo o processo de desligamento do motor. Esse processo leva trinta segundos e é um bom tempo para organizar a cabine e se preparar para sair. Não há com o que se preocupar nesse procedimento pois o FADEC executa tudo sem necessidade de monitoramento do piloto.

Foram 02:29 horas para cobrir os 1.412 km entre o aeroporto Van Nuys na Califórnia e o Centennial no Colorado. Nossa parada em Denver era para um almoço sem pressa e logicamente embarcar nosso colega Justin Dillon.

Não muito tempo depois de nossa decolagem de Denver deduzimos que poderíamos voar direto ao nosso destino Knoxville na Carolina do Norte, com reserva de combustível. A questão então foi: devemos ir?

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